terça-feira, 8 de abril de 2014

MUSICAS PROIBIDAS - Parte 1

     Quando você cresce em uma família de Testemunhas de Jevá, qualquer tema que seja contrário aos assuntos da religião jamais podem ser usufruídos ou comentados, a não ser para criticar. Quando alguns desses temas proibidos eram abordados em musicas, simplesmente eu tinha que trocar de rádio, jogar o CD fora ou sair de um recinto. Lembro-me de comprar o CD Barulhinho Bom da Marisa Monte e minha mãe queimar o encarte (que continha desenho de mulheres sem camisa) dizendo que aquilo não era “apropriado”. Quando tocava a musica Lenda das Sereias, da Marisa Monte, lá ia eu com preguiça trocar de música – como mexia comigo aqueles tambores no início, como havia ritmo naquela musica, mas, se eu escutasse mesmo que escondido, sentiria uma culpa enorme incutida pela religião. Era melhor nunca escutar.

       Lembro-me da que a maior liberdade que conquistei deixando de ser Testemunha de Jeová foi a liberdade musical e de ritmos.

“Ela mora no mar

Ela brinca na areia
No balanço das ondas 

a paz ela semeia.”

        Por esses tempos eu estava no carro e começou a tocar uma das “músicas proibidas”, pois havia a palavra santa no meio dela. A música se chama Raça, do Milton Nacimento. Musicas são subjetivas e, por isso, passíveis de várias interpretações. A minha interpretação é espiritual. Quando incorporamos é uma força que chega em nós como se fosse mágica e enche nosso corpo de alegria. São os santos, santas que estão vindo até nós e tudo é uma grande euforia. Ficamos alucinados e somos jogados ou rodopiados dependendo  de cada entidade. Cantamos, gritamos nosso sangue ferve algumas vezes. De onde vem essas energia que nos aquecem e cuidam da gente? De onde vem essa força que nos tira das nossas casas e nos movimenta até o templo quase que automaticamente? Iluminam nossa casa, nos dão força e energia. Eles vêm de aruanda, de muito longe para nos fazer companhia. Bom, quem escreveu essas palavras não foi eu, foi o Milton, somente destrinchei para a interpretação que eu tive a partir da minha religião.


Espero estar certo.


Escutem:



Raça
Lá vem a força, lá vem a magia
Que me incendeia o corpo de alegria
Lá vem a santa maldita euforia
Que me alucina, me joga e me rodopia
Lá vem o canto, o berro de fera
Lá vem a voz de qualquer primavera
Lá vem a unha rasgando a garganta
A fome, a fúria, o sangue que já se levanta
De onde vem essa coisa tão minha
Que me aquece e me faz carinho?
De onde vem essa coisa tão crua
Que me acorda e me põe no meio da rua?
É um lamento, um canto mais puro
Que me ilumina a casa escura
É minha força, é nossa energia
Que vem de longe prá nos fazer companhia
É Clementina cantando bonito
As aventuras do seu povo aflito
É Seu Francisco, boné e cachimbo
Me ensinando que a luta é mesmo comigo
Todas Marias, Maria Dominga
Atraca Vilma e Tia Hercília
É Monsueto e é Grande Otelo
Atraca, atraca que o Naná vem chegando


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Toque para os Orixás

               Essa semana eu queria um atabaque de qualquer forma. Postei no Facebook uma mensagem pedindo indicações de onde comprar um atabaque barato. Algumas pessoas indicaram vários locais até que um amigo lá do centro me deu seu primeiro atabaque que ele havia comprado para treinar quando começou a aprender a tocar.Veio à jato meu pedido!

                      A intenção ao querer o atabaque é, primeiramente porque sempre me fascinou instrumentos percussivos e depois para aprender o toque que corresponde a cada orixá. Gostaria de informar aqui que a Umbanda não cultua Orixás, logo, saber cada toque de cada entidade não é uma exigência que se faz dentro do maioria dos terreiros. Aprender os toques complementaria também meu aprendizado sobre religiões de matriz afro.

                           Sempre estranhei a forma como tambores me deixavam irrequieto por dentro.  Uma vez quando eu tinha 23 anos eu fui assistir a uma apresentação da cantora Consuelo de Paula. O Show dela começava com ela sozinha tocando um tambor. Pra quê?! Chorei o inicio do show todinho. Outra vez, quanto eu tinha 25 anos, eu estava no Mercado Central de São Paulo quando inesperadamente eu vi uma movimentação de pessoas se aglomerando em um local e, quando me aproximei, começou uma apresentação de Taiko (tambores japoneses). Assim que soaram os tambores lá se foram lágrimas escorrendo novamente. Pensei: "Cacete, que merda é essa que acontece sempre que escuto um tambor?!"

                               Uma coisa eu tenho certeza, nunca serei ogan. O tanto que as entidades me deixam zonzo durante as gira eu jamais teria coordenação para tocar. Admiro aqueles que cumprem essa função. A energia que emana das mãos desses moços e moças (na umbanda mulher pode tocar tambor) é algo que toca profundamente, a caridade através da vibração da musica. Sendo assim, meu aprendizado é só para hobby mesmo.

                             Não consegui aprender violão, flauta e teclado. Espero me dar bem no batuque.

Incorporação e Descarrego

Antes de escrever sobre o descarrego informo aqui que as postagens, que deveriam seguir uma ordem cronológica de aprendizado, não foram constantes e, por isso, serão alternadas entre o que eu estou aprendendo agora e o que aprendi no passado.

Continuando:

         Sexta-feira passada houve gira de caboclo. Eu estava muito feliz, pois, seria a primeira vez esse ano que eu incorporaria meu caboclo. Sim, nesse meio tempo em que fiquei sem escrever foi definido meu chefe de linha, posteriormente escreverei sobre isso. A gira começou e seguimos as ordens das incorporações: primeiro incorpora o pai da casa, depois os pais pequenos, depois os mediuns de linha de passe e posteriormente os mediuns em desenvolvimento. Logo após a incorporação dos pais pequenos, os atabaques tocaram para Ogum e, sem querer, e sem ser o momento da minha incorporação, pois, sou medium em desenvolvimento, incorporei. Eu estava distraído e em momento algum imaginei que uma entidade de Ogum fosse fazer isso, pois, são bastante disciplinados. Se fosse uma gira de esquerda ou gira de baiano eu até entenderia e estaria mais atento desde o início. Depois de desencorporar eu fui chamado pelo Caboclo Ubirajara e chamado a atenção e com razão, não era o momento daquilo acontecer. Fiquei morrendo de vergonha e não sabia onde enfiar a cara. Pedi desculpas posteriormente, mas, uma dúvida ficou: Por que uma entidade tão disciplinada como os caboclos de Ogum desrespeitariam as ordens de uma casa? O desenvolvimento e as apresentações das entidades são feitas em giras específicas de desenvolvimento e não me girar comuns. O que quero relatar com essa primeira parte do texto e complementarei com a segunda parte é que por mais que pensamos estar aprendendo ou dominando algo no mundo espiritual surge algo novo que nos tira do centro e nos impulsiona a questionar tudo que estamos aprendendo.
           Partindo agora para o descarrego, informo que nesses últimos anos eu quase não fiz descarregos como cambono. As entidades do médium que eu trabalhava não me exigiam isso. Esse ano, ao voltar de férias, o médium que eu cambono se ausentou da casa e agora estou cambonando o pai da casa junto a outro médium. Sendo assim, tenho sido solicitado constantemente para fazer os descarregos. Como é doloroso e cansativo. Sentir aquilo tudo de ruim e ter que jogar fora, como desgasta. Em um unica noite é gente triste, depressiva, com problemas no trabalho, na familia, na escola, na vida pessoal, angustias, dores, problemas de saúde enfim, tudo de ruim circula por ali para ser encaminhado e um dos caminhos somos nós como médiuns de transporte. Nessa mesma gira de caboclo, além de ter passado uma vergonha danada com a incorporação no momento errado, quando fui solicitado a fazer um descarrego, durante o processo fui jogado de joelho no chão. Senti algo estranho que não havia sentido em descarrego algum. As pessoas olharam para mim e perguntaram se estava tudo bem. Eu disse que sim, levantei-me e coloquei minhas guias (pois durante os descarrego temos que retira-las). Quando eu segui para o meu local algo me puxou pelas costas e me jogou novamente de joelho no chão, era aquela energia que ainda estava comigo. Na mesma hora comecei a chorar, não sei se as lágrimas eram minhas ou da outra pessoa, só sei que, se foram das outras pessoas, depois se juntaram ás minhas, pois, se tem algo que me desespera é eu não ter o controle sobre as coisas. Me senti tão impotente diante daquilo tudo. Uma incorporação na hora errada depois ser puxado por uma força e jogado no chão. Chegou um momento que praticamente me escondia durante a gira para ninguém me chamar até que me lembrei quando eu fazia parte da assistência e as pessoas me chamavam para atendimento e faziam descarrego em mim. Durante anos eles cuidavam de mim sem exigir nada. Por que eu não poderia fazer o mesmo por eles agora que eu estava sendo desenvolvido? Se a Umbanda é amor e caridade, logo, temos que encarar o descarrego, mesmo que sendo desgastante, como prova de amor ao nosso próximo.

          Com esses dois relatos gostaria de dizer que, quando eu achava que minhas entidades estavam firmes eu fui desmentido e exortado a ficar alerta e sempre pedir pela minha evolução espiritual. Quando eu achava que fazer descarrego era algo fácil e, como esse ano eu já havia feito bastante, fui desmentido novamente, pois, o universo espiritual é vasto e sempre temos de pedir pela orientação das entidades para nos fazer firmes durante aquela caridade que estamos prestando. Sendo assim, não devemos subjugar o mundo espiritual achando que estando aprendendo algo. É sempre melhor duvidarmos que sabemos o suficiente, pois, algo poderá nos surpreender mais dia ou menos dia e o caminho da humildade será sempre a melhor escolha.