Quando você cresce em uma família de Testemunhas de Jevá, qualquer tema
que seja contrário aos assuntos da religião jamais podem ser usufruídos ou
comentados, a não ser para criticar. Quando alguns desses temas proibidos eram abordados
em musicas, simplesmente eu tinha que trocar de rádio, jogar o CD fora ou sair
de um recinto. Lembro-me de comprar o CD Barulhinho Bom da Marisa Monte e minha
mãe queimar o encarte (que continha desenho de mulheres sem camisa) dizendo que
aquilo não era “apropriado”. Quando tocava a musica Lenda das Sereias, da
Marisa Monte, lá ia eu com preguiça trocar de música – como mexia comigo
aqueles tambores no início, como havia ritmo naquela musica, mas, se eu
escutasse mesmo que escondido, sentiria uma culpa enorme incutida pela religião.
Era melhor nunca escutar.
Lembro-me da que a maior liberdade que conquistei deixando de ser
Testemunha de Jeová foi a liberdade musical e de ritmos.
“Ela mora no mar
Ela brinca na areia
No balanço das ondas
a paz ela semeia.”
Por esses tempos eu
estava no carro e começou a tocar uma das “músicas proibidas”, pois havia a
palavra santa no meio dela. A música se chama Raça, do Milton Nacimento.
Musicas são subjetivas e, por isso, passíveis de várias interpretações. A minha
interpretação é espiritual. Quando incorporamos é uma força que chega em nós como
se fosse mágica e enche nosso corpo de alegria. São os santos, santas que estão
vindo até nós e tudo é uma grande euforia. Ficamos alucinados e somos jogados
ou rodopiados dependendo de cada
entidade. Cantamos, gritamos nosso sangue ferve algumas vezes. De onde vem
essas energia que nos aquecem e cuidam da gente? De onde vem essa força que nos
tira das nossas casas e nos movimenta até o templo quase que automaticamente?
Iluminam nossa casa, nos dão força e energia. Eles vêm de aruanda, de muito longe
para nos fazer companhia. Bom, quem escreveu essas palavras não foi eu, foi o
Milton, somente destrinchei para a interpretação que eu tive a partir da minha
religião.
Espero estar certo.
Escutem:
Raça
Lá
vem a força, lá vem a magia
Que me incendeia o corpo de alegria
Lá vem a santa maldita euforia
Que me alucina, me joga e me rodopia
Que me incendeia o corpo de alegria
Lá vem a santa maldita euforia
Que me alucina, me joga e me rodopia
Lá
vem o canto, o berro de fera
Lá vem a voz de qualquer primavera
Lá vem a unha rasgando a garganta
A fome, a fúria, o sangue que já se levanta
Lá vem a voz de qualquer primavera
Lá vem a unha rasgando a garganta
A fome, a fúria, o sangue que já se levanta
De
onde vem essa coisa tão minha
Que me aquece e me faz carinho?
De onde vem essa coisa tão crua
Que me acorda e me põe no meio da rua?
Que me aquece e me faz carinho?
De onde vem essa coisa tão crua
Que me acorda e me põe no meio da rua?
É
um lamento, um canto mais puro
Que me ilumina a casa escura
É minha força, é nossa energia
Que vem de longe prá nos fazer companhia
Que me ilumina a casa escura
É minha força, é nossa energia
Que vem de longe prá nos fazer companhia
É
Clementina cantando bonito
As aventuras do seu povo aflito
É Seu Francisco, boné e cachimbo
Me ensinando que a luta é mesmo comigo
As aventuras do seu povo aflito
É Seu Francisco, boné e cachimbo
Me ensinando que a luta é mesmo comigo
Todas
Marias, Maria Dominga
Atraca Vilma e Tia Hercília
É Monsueto e é Grande Otelo
Atraca, atraca que o Naná vem chegando
Atraca Vilma e Tia Hercília
É Monsueto e é Grande Otelo
Atraca, atraca que o Naná vem chegando