Era 1996. Eu tinha 15 anos quando
Marisa Monte lançou o CD Barulhinho Bom. Sai da escola pela manhã e atravessei
correndo o vidaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte, e cheguei sem folego na Loja Americas para
comprar o CD. Eu já era fã de Marisa Monte desde os 11 anos de idade. Lembro
que o namorado da minha irmã emprestou pra ela o vinil Cor-de-Rosa e Carvão e o
Mais. Quem disse que ela conseguiu escutar? Apossei dos dois LP’s e quase não
devolvi para o dono. Fui para casa ansioso de escutar o novo trabalho da
Marisa. Assim que comecei a ouvir, tive que baixar o som, pois, a música que
mais me agradei, a Magamalabares, continha trechos que uma Testemunha de Jeová
jamais permitiria que seu filho escutasse. Escutei com fone de ouvido o quanto pude
naquele tarde. No outro dia, fui para escola. Ao chegar, vi uma fogueira na
porta de casa: minha mãe havia queimado o encarte do CD por conter nudes. Olha,
imagine alguém bravo (também pudera, filho de Ogum) disse coisas que fizeram
minha mãe chorar, mas, que não me arrependo até hoje. Ao menos ela não resolveu
escutar o CD, né?! Já pensou se ela escutasse oxaiê, anjo e Deus em uma mesma
música, já seria motivo pra acharem que eu iria morrer no Armagedon.
Bom, eu sabia que minha mãe não
gostaria que eu escutasse tal música. Gostaria não, ela me proibiria. Mas, o
mais interessante, era que na época, eu nem sabia o motivo. Eu não tinha repertório
para ter qualquer tipo de interpretação sobre essa música, somente sei que
gostava, e chorava ao escuta-la (também pudera, filho de Oxum).
Quando pude compreende-la, da
minha forma, afinal, poemas são subjetivos, Magamalabares ficou mais linda
ainda. Alguns meses atrás em uma festa aqui no meu apartamento, minha prima,
evangélica, disse que gostava muito dessa música. Bom, não sei se ela gostou da
explicação, mas, ai vai:
(Escute aqui enquanto acompanha a explicação)
Magamalabares
(Neologia de Magas + Malabares.
Malabarismo feito pelas energias, entidades, feiticeira, orixás femininos.)
Acqua Marã
(Uma das definições que achei
para Marã, do Tupi, é revolução. Aguas que causam revolução. Considerando a
formação religiosa do Carlinho Brown, podemos entender que ele, no inicio da
música, fala de uma Orixá aquática que brinca com o movimento das águas (ondas)
para gerar revoluções – no plano carnal e espiritual.)
Um barquinho oxaiê
Quem esteve aqui
Viu barquinho de gazeta
Ancorar no mistério
(O termo mistério é usado dentro
da Umbanda e do Candomblé para designar campos magísticos. Barquinhos são
oferendados a Yemanjá com toda sorte de perfumes e adornos. Quem tá sem grana pra
comprar o barquinho de isopor ou madeira, faz um de jornal mesmo (A Gazeta) e
oferenda pra Ela. Logo ele vê o barquinho ancorar no mistério de Yemanjá.)
Notas musicais
Dentre bolas de sabão
que de nossas serenatas vieram
(Ao som dos atabaques, músicas
são tocadas reverenciado o Orixá. Construímos aqui a imagem das espumas do mar,
“bolhas de sabão” enquanto preparamos a oferenda)
Flores que ofertamos
e que nunca morrerão
em vasos e jarros se bronzeiam
(Agora fica mais fácil imaginarmos
o ritual todo. O barquinho de Yemanjá, a flores em vasos de barro. Quando uma
planta recebe um Axé, sabemos que ela vive mais. Aqui, ele vai mais além,
nossas oferendas nunca morrem para os Orixás. As flores, duram para sempre).
Os anjos de onde vem
sua vida
bem-vinda
a trilha
(Os anjos de onde vem? E os
orixás? Cada um com sua vida. Seja bem vinda. Cada um com sua trilha, com sua
jornada.)
Os livros não são sinceros
(Muitos livros fundamentalistas
religiosos desmentes ou desacreditam os Orixás)
Quem tem Deus como império
(Aqui ele fala em Deus, mas,
abaixo ele fala em sininhos, no Adjá, sino que serve para manter a vibração do
orixá dentro do ilê ou direcionar ele no Xirê, dança dos orixás. Ou seja, quem
escuta o Adjá, sabe que não está sozinho, o Orixá está ali presente com seu Axé).
No mundo não está sozinho
Ouvindo sininhos